Elon Musk é (quase) um renascentista – e gênio do marketing

Você já deve ter ouvido falar nele: gênio, playboy, bilionário e filantropo, dono de empresas de tecnologia e frequentemente assunto das notícias por ter se tornado a estrela do mundo dos negócios.

Eu não estou falando do Tony Stark.

Bilionário errado

É o Elon Musk, na verdade.

Bilionário certo

Um dos co-fundadores do PayPal tem, na sua carreira, algumas realizações bem significativas.

Elon Musk e seus negócios

Depois de vender o app de compras online, um dos primeiros do segmento a realmente fazer vendas seguras e rápidas, o jovem Musk investiu seu dinheiro em alguns investimentos que, à primeira vista, pareciam fadados ao fracasso.

Sua primeira grande aposta foi na empresa do segmento automobilístico, a Tesla Motors. Contrariando o mercado condicionado ao lobby do petróleo, a Tesla decidiu desenvolver, produzir e distribuir carros elétricos potentes e esportivos.

É como se, da sua cadeira de CEO, Elon Musk dissesse: sim, você pode ser ecologicamente correto e muito descolado.

Os veículos da Tesla são vendidos e distribuídos das próprias fábricas, eliminando as concessionárias e reduzindo custos.

Os preços dos veículos vem caindo ainda mais, e a meta do fundador da empresa é chegar a um valor de mercado acessível a todos os públicos. Carros elétricos se tornaram o veículo oficial de algumas celebridades, e a Tesla reinventou o mercado ao criar uma logística de abastecimento própria.

Você pode, ainda conhecer o Elon Musk de outro empreendimento arriscado e fora da curva: a SpaceX.

Basicamente, eles alugam um serviço de foguetes.

Funciona assim: as empresas que precisam colocar satélites e outros serviços no ar contratam a SpaceX para enviar para eles. Qual a grande sacada? O valor.

O sistema precisou de inúmeros testes e teve diversas falhas, gerando inclusive um excelente vídeo no canal de Youtube da empresa.

De empresas privadas que precisam colocar satélites no ar à serviços para a própria NASA, a SpaceX desenvolveu uma tecnologia que nem mesmo o Departamento de Tecnologia Aeroespacial Norte-Americano conseguiu: eles criaram foguetes reaproveitáveis que pousam sozinhos.

Recentemente, ele decidiu liberar todas as patentes da Tesla para domínio público, argumentando que é mais importante combater o aquecimento global do que qualquer outra meta pessoal.

E, falando em metas pessoais, Musk tem, talvez, uma das metas mais ambiciosas deste século: ele quer colocar humanos em Marte para colonizar o planeta de maneira sustentável.

Veja bem, Marte é, atualmente, o único planeta habitado exclusivamente por robôs, robôs esses que nós mesmos colocamos lá. Mas, longe de só possuir veículos sem vida no Planeta Vermelho, o criador da SpaceX quer, com seu próprio equipamento, desenvolver colônias habitáveis para exploração espacial.

Aqui entra o meu ponto: ninguém é tão abertamente ambicioso assim há algum tempo.

Um breve e simples resumo sobre o Renascimento

Na época do Renascimento, cansados da opressão ideológica da Igreja Católica Apostólica Romana, alimentados por uma classe econômica cada vez mais importante e desvinculada da hierarquia medieval tradicional (clero e nobreza), os artistas e cientistas ganharam espaço suficiente para ampliarem seus horizontes.

O movimento, que buscava nas origens clássicas da Grécia e de Roma, tidas como parâmetros supremos de criação e inteligência, gerou um número sem fim de pintores, compositores, químicos, médicos e engenheiros (ou os equivalentes temporais dos mesmos).

Foi uma época de desenvolvimento cultural e científico imenso, que possibilitou, dali para frente, um progresso ainda maior.

Posteriormente, a própria Igreja viria a financiar alguns desses artistas, como é o caso de Da Vinci, Michelangelo, Rafael e alguns outros mais. O otimismo vinha em largas escalas.

Pode parecer bobeira, mas a influência desses filósofos e cientistas ainda é tão grande que vivem até em desenhos infantis.

Depois do Renascimento

Alguns séculos mais para frente, em meados de 1800, surge ainda o Positivismo, a crença na ciência e no progresso como caminho natural para os seres humanos.

Mais do que na Renascença, o século 19 se tornou uma era de culto ao progresso, à ciência e ao conhecimento, de maneira geral.

August Comte, o criador do positivismo. As ramificações de sua filosofia ofereceram resultados mistos, entre a valorização da ciência e a ideia de progresso acima de tudo dos governos fascistas.

Virou o século e, logo em 1914, começou a Primeira Guerra Mundial. Em 1929, a Grande Depressão. Depois, em 1939, a Segunda Guerra Mundial. Daí para frente, contando apenas os principais conflitos em que os norte-americanos estiveram envolvidos, foram:

  • Guerra da Coreia;
  • Guerra Fria (como um todo);
  • Guerra do Vietnã;
  • Guerra do Afeganistão.

A mentalidade de progresso e otimismo desapareceu da cultura estadunidense, assim como do resto do mundo.

À beira de um colapso nuclear, na década de 80, com altos índices de criminalidade, desemprego, surto da AIDS, crise do Petróleo e conflitos explodindo no Oriente Médio e no mundo inteiro, as perspectivas não eram as mais animadoras.

Não daria para escrever esse texto de um bunker pós-apocalíptico, então fica claro que superamos, com menores e maiores graus de sucesso (embora não completamente), os problemas do século XX. Mas entrou o século XXI e muitos dos mesmos erros e problemas ainda nos assombram.

O mito de Prometeus

Contam por aí que, depois que a Terra se estabeleceu do Caos, o Céu virou o Céu e o Mar virou o Mar, os deuses e titãs sentiram a necessidade de povoar esse mundo com algumas criações.

Foi com essa mentalidade que Prometeu pegou um pouco de terra e água e fez os humanos. Deu-nos o porte ereto para podermos olhar para os dois extremos: cima e baixo.

Prometeu e seu irmão, Epimeteu, foram responsabilizados com a criação dos humanos e de outras criaturas, sob o domínio de Zeus, que já controlava os Céus depois da vitória contra os Titãs.

Depois de darem a todos os animais suas habilidades e capacidades, faltou oferecer algo aos humanos. E Prometeu subiu aos céus, buscando o fogo para dar aos humanos.

Ofendido com a ousadia, que deu aos humanos um poder incrível,  Zeus puniu os humanos oferecendo a Pandora, esposa de Epimeteu, a tão famosa caixa, em que restou apenas a esperança. Prometeu foi amarrado a uma pedra onde um abutre ia todo dia comer seu fígado, que se regenera durante a noite.

O pobre Prometeu teve um castigo desproporcional, mas quem disse que a justiça olimpiana era moderada?

E por que eu contei isso?

A história de Prometeu (ainda incompleta aí em cima), é um bom exemplo de conto de aviso, um cautionary tale: nós podemos ir longe, e podemos criar, mas há um limite para o progresso.

Paralelamente, com o desenrolar do século XX, uma mentalidade similar foi adotada, um pessimismo generalizado tomou conta do Zeitgeist, já diria Hegel, o espírito da época.

A parte mais interessante sobre o Elon Musk nem chega a ser sua capacidade de negócios em áreas de tecnologia de ponta, barateando e transformando a maneira como esses mercados podem gerar valor, mas sim a filosofia otimista e transformadora com que direciona seu marketing pessoal, e até mesmo o marketing de suas companhias.

Ninguém ouviu o Bill Gates

O progresso não é inevitável, apesar do conhecimento. Mesmo não concordando com a onda de pessimismo que tomou conta do mundo no século XX, eu posso concordar que a ideia de que toda tecnologia vem para o bem é utópica.

Contudo, a ideia de que vivemos em uma distopia também não está próxima da realidade. Enquanto grupos de direita, motivados por interesses econômicos, panfletam o American Dream, agora em nível mundial, graças ao globalismo, elites intelectuais de esquerda propagam justamente o oposto, o Mito do Progresso.

Distante dos dois lados dessa discussão, que no Brasil, mais do que partidária e ideológica, tornou-se fundamentalista, é necessário avaliar os dados disponíveis sobre o atual estado da humanidade.

Anualmente, a fundação Bill&Melinda Gates disponibiliza, em dezembro, uma carta de seus fundadores, seja o próprio Bill, seja Melinda, em que contabilizam as metas e erros do ano.

No ano de 2017, respondendo uma pergunta de Warren Buffet, também um dos homens mais ricos do mundo e amigo do casal, a fundação fez um compilado dos principais índices de desenvolvimento, doenças, riqueza, etc.

O resultado? Vivemos no melhor século até hoje.

Índices de pobreza absoluta caindo pela metade, doenças sendo erradicadas, tudo isso graças ao apoio do progresso e de indivíduos que arriscam suas vidas pelos outros (Cruz Vermelha, Anistia Internacional, etc.).

Mas, quando ligamos a TV, nada disso parece real. À parte de uma discussão sobre a mídia, que já rende outro artigo por conta, nossa mentalidade otimista foi erradicada.

Quem, quando criança, nunca ouviu da mãe à mesa de almoço:

“Você não vai comer? Tem crianças passando fome na África!”

(E a verdade é que não é preciso ir tão longe. Como o progresso depende do esforço, muitas vezes regredimos, como é o caso do Brasil atual.)

Como o Elon Musk usa o marketing?

Um dos pontos mais interessantes sobre o Musk é que ele percebeu uma característica importante da sociedade norte-americana: o culto a indivíduos.

Além do culto á individualidade, que favorece marcas com discursos de personalização e valorização do EU, o culto à indivíduos é muito forte nos Estados Unidos. Os norte-americanos glorificam e se dedicam às personalidades em alta.

De Elvis Presley com seu grupo de fãs leais que diz até hoje “Elvis não morreu” a personalidades dos esportes como Michael Jordan, ou ainda celebridades como as Kardashians, a verdade é que o estadunidense médio tem um ou dois ídolos pessoais.

A família mais popular nos EUA atual, as Kardashian-Jenner, possui um patrimônio enorme, graças aos produtos desenvolvidos com o nome da família. Kylie Jenner (à direita) se tornou a bilionária mais jovem do mundo com sua linha de maquiagens.

Eu acredito que, tendo esse comportamento cultural em mente, Elon Musk atrelou tão profundamente a identidade de suas marcas à sua que, não importa onde vá, as pautas são sempre sobre seus negócios e seus planos.

Longe de ser mais um executivo engravatado e sem graça, o bilionário se transformou em uma figura pública moderna e sempre em alta. Seja pelas discussões no Twitter, seja pelas aparições em podcasts, falar de Elon Musk é falar de Tesla Motors e SpaceX, só para citar dois de seus negócios mais conhecidas.

Com isso, ele garante que independente da entrevista ou da citação ao seu nome, os propósitos e ideais vinculados à marca se mantenham divulgados. E isso, é claro, funciona para os dois lados. Falar das empresas implica em citar o nome de seu criador, e reforçar ainda mais sua presença na mídia e no imaginário popular.

Um exemplo de como essa estratégia funciona?

Quem é o fundador da Apple? Steve Jobs, certo? Mas ele não fundou sozinho, teve o apoio de Steve Wozniak e Ronald Wayne, mas esses dois mal são creditados pelo sucesso da empresa (e Jobs chegou a ser demitido do próprio negócio).

O que muitas pessoas não sabem é que Jobs, no período em que esteve fora da gigante da tecnologia, investiu em um outro projeto, quase tão lucrativo quanto, mas igualmente famoso, uma empresa de animações chamada Estúdios Pixar.

Exemplo de genialidade e ícone pop atual, Jobs teve uma carreira como executivo bem conturbada.

E apesar do sucesso dos filmes e da companhia, hoje comprada pela Disney, Jobs permanece um símbolo da nova geração de gênios da virada do milênio com seu nome e sua marca atrelados quase exclusivamente a uma única empresa, a Apple.

Quer outro exemplo, agora para o outro lado?

Quem é o homem mais rico do mundo? Pela sua cabeça provavelmente passou o nome do Bill Gates, ou ainda do Carlos Slim, quem sabe até do Warren Buffet. Se você tem lido as últimas notícias, sabe que o atual homem mais rico do mundo, por uma margem de uns 30 bilhões de dólares, é o norte-americano Jeff Bezos, criador da Amazon.

Jeff Bezos. O atual homem mais rico do mundo. Inúmeras polêmicas, mas seu nome continua fora do imaginário popular.

Além do negócio no varejo digital, Bezos investiu em outras iniciativas, como o Google (foi um dos investidores em estágio inicial) e possui uma empresa chamada Blue Origin cuja área de atuação é, adivinhem, exploração espacial.

A Blue Origin presta quase o mesmo serviço que a SpaceX, mas é a companhia de Musk que toma a atenção da mídia, junto com seu fundador.

E não é por falta de oportunidade. Recentemente, Bezos esteve envolvido em algumas manchetes pelo divórcio com a atual esposa e uma suposta chantagem que vinha sofrendo por conta de algumas fotos nuas vazadas.

A grande diferença é que, em todas as oportunidades, Elon transformou o espaço na mídia para seu negócio, convertendo em algo positivo, enquanto a maioria dos executivos evita até mesmo lidar com a imprensa e os veículos de comunicação.

Apesar de ser quase impossível prever o futuro, não dá para deixar algumas suposições de lado.

Eu imagino que, se os projetos de Elon Musk derem certo, ou chegarem a uns 50% do que ele propõe, o culto à personalidade será tão grande que o co-criador do PayPal entrará definitivamente para o imaginário popular como um Tony Stark da vida real, integrando a cultura de massas global como um visionário muito além do seu tempo.

E quanto mais popular ele ficar, maior o valor de mercado das suas empresas.

Por que ouvir o Elon Musk?

Os resultados são positivos. O progresso é real, só depende de força de vontade, e de acreditar que há uma alternativa.

Nós podemos fazer foguetes que pousam sozinhos, nós podemos fazer carros elétricos rápidos e dinâmicos, nós podemos construir super-rodovias sob a terra, nós podemos colonizar Marte.

O mais interessante sobre o Elon Musk, e um dos motivos pelo qual acredito que ele seja mais um Renascentista do que um Positivista, é que ele advoga pelo progresso e pelo otimismo em uma era extremamente pessimista.

Obviamente existem tantos problemas no mundo quanto o número de habitantes na Terra, mas podemos criar soluções criativas para resolvê-los, especialmente através do esforço conjunto e organizado.

Nesse sentido, encontrar um bilionário cujo passatempo é vender lança-chamas e que lança seu próprio carro ao espaço (e tem até um site onde pode acompanhar a órbita solar do Starman), mas que também direciona a atenção pública aos problemas da modernidade, é excelente.

Nisso, a postura positivista, ao meu ver, não se encaixa tanto, porque a abordagem é antiquada e ignora alguns problemas estruturais atuais (e outros que já existiam desde a época de Comte).

Ao meu ver, esse posicionamento de Musk é extremamente benéfico por oferecer novos ares, novas possibilidades. Usando de sua posição vantajosa e alinhando tudo ao seu branding pessoal, o criador da Tesla Motors nos diz que (e aqui um pequeno paralelo, rudimentar ainda, com a campanha de 2008 de Obama): sim, nós podemos ir mais longe.

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